Facções em guerra usam as redes sociais para intimidar rivais em Salvador
O vídeo de 2m44s de duração, gravado por um dos integrantes da facção conhecida como Bonde do Maluco (BDM), no Jardim Santo Inácio (Salvador), é de arrepiar. Com celular em punho, ele filma o grupo de pelo menos dez criminosos atirando pelas ruas do bairro, enquanto repete a todo momento: “O Bonde é maluco, desgraça!! Bota a cara, desgraça! Vou derrubar”.
Na ação, os integrantes da facção que comanda o tráfico na vizinha Mata Escura mataram Juarez Bispo Júnior, 34 anos, que, segundo a polícia, era irmão do traficante Jau, uma das lideranças do Comando da Paz, que atua em Santo Inácio. O vídeo mostra a vítima no chão, aparentemente já morta, enquanto é baleada repetidas vezes pelos bandidos, a maioria encapuzada. No dia seguinte à noite de terror, a polícia ocupou o bairro e fez incursões na Mata Escura, em busca dos criminosos.
Fenômeno que assusta um grande número de cidades brasileiras, as guerras de facções levam também terror a dezenas de bairros não só de Salvador, como também de várias regiões do estado. Outra reportagem publicada pelo CORREIO esta semana mostrou que a disputa pelo controle do tráfico de drogas entre o BDM e a facção Katiara vem se acirrando e apavorando quem vive ou veraneia nas praias do Recôncavo, como Saubara, Cabuçu e Bom Jesus dos Pobres.
Nessas rixas, os vídeos disseminados pelas redes sociais, sobretudo o WhatsApp, são usados para dissuadir criminosos rivais e aumentar a reputação da facção. E quanto maior a violência, maior a notoriedade no mundo do crime. Essa busca pelo reconhecimento é um dos motivos, por exemplo, que levam a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) a não mencionar os nomes das facções.
Apesar de não haver números oficiais, o Ministério da Segurança Pública estimou, no ano passado, que existam cerca de 70 organizações espalhadas pelo país. Na Bahia, segundo o anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018, seis grupos comandam atividades criminosas: Bonde do Maluco, Katiara, Comando da Paz, Mercado do Povo Atitude, PCC e Quadrilha do Perna. Como uma hidra – monstro da mitologia grega que fica mais forte a cada cabeça cortada, porque duas outras nascem – esses grupos criminosos costumam se dividir quando perdem as sua principais lideranças. O BDM, por exemplo, nasceu de uma dissidência do Comando da Paz.
Para o cientista político da Universidade de Chicago Benjamin Lessing, que pesquisa facções criminosas na América Latina e nos EUA, a eliminação desses grupos é impossível. Ele vê a aposta exagerada no encarceramento como uma das explicações para o grave quadro da segurança pública no Brasil. “Ter como objetivo eliminar as facções é como querer acabar com o tráfico de drogas: ninguém nunca conseguiu.”
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