Terrenos invadidos em Arembepe são vendidos de R$ 5 mil a R$ 40 mil na internet

Justiça ordenou retirada de 300 casas em APA; Aldeia Hippie está ameaçada

https://youtu.be/gLA-jxVq73I

Quanto custa o sonho da casa de praia? Bem, a casa não sabemos, mas o terreno… Se você não estiver preocupado com a documentação, um lote pode ser garantido em promoções imperdíveis. Até mesmo em sites de vendas como OLX e Mercado Livre, um imóvel em Arembepe, pertinho da praia, é encontrado por bagatelas que vão de R$ 5 mil a R$ 40 mil.

“É uma invasão… O pessoal invadiu aqui, eu peguei um terreno para mim e quero passar ele adiante, entendeu? Tô querendo R$ 10 mil, mas a gente negocia aí, se tiver uma moto ou um carro…”

A declaração acima foi gravada pelo CORREIO em uma ligação telefônica. Ao se passar como comprador dos lotes, nossa equipe de reportagem confirmou denúncias de que terras estão sendo sistematicamente invadidas pela especulação imobiliária clandestina, que repassa os terrenos a preços atraentes. Em uma das ligações, o próprio vendedor admitiu ter invadido a terra, instalada em plena Área de Preservação Ambiental (APA) do Rio Capivara.

Conhecida como Vila Sangradouro, a invasão ameaça principalmente o meio ambiente, mas também um dos eldorados dos anos 70. “É pertinho da praia. Perto da Aldeia Hippie. Sabe onde é a Aldeia Hippie, né?”

Vista aérea da Vila Sangradouro; ao fundo, à beira-mar, a localidade de Arembepe (Foto: Leitor CORREIO)

Nos últimos anos, o Sangradouro avançou de forma exponencial sobre boa parte da APA e até ocupou lagoas e as próprias margens do Capivara. Em 2002, quando a invasão teria iniciado, 14 imóveis ocupavam a região. De lá para cá, ninguém – nem o município de Camaçari nem os órgãos de fiscalização do estado – foram capazes de estancar o Sangradouro.

Atualmente, segundo processo judicial que correu na 1ª Vara da Fazenda Pública de Camaçari, mais de 300 construções irregulares foram edificadas no Sangradouro, que já devastou uma área de 205.932,00 metros quadrados ou 20 hectares (o equivalente a 27 campos de futebol). Isso fora os terrenos invadidos e demarcados por desmatamentos e queimadas, que ocorrem quase que diariamente.

Em abril de 2017, após ação civil pública movida pelo Ministério Público (MP-BA) para retirada dos invasores, iniciada em 2002, o juiz César Augusto Borges de Andrade julgou procedentes os pedidos do MP-BA e condenou a Prefeitura de Camaçari e dois proprietários de parte das terras do Sangradouro a retirar as mais de 300 casas construídas, além de remover materiais de construção que se espalham pela área. A sentença estipulava prazo de 90 dias para o cumprimento da decisão.

A Associação Nova Esperança do Sangradouro, que representa os invasores, chegou a apelar da sentença. Em fevereiro desse ano, o Tribunal de Justiça reformou a decisão, mas manteve o pedido de retirada das casas. Observou, porém, que a Prefeitura desse a devida destinação aos moradores de baixa renda que utilizam os imóveis como moradia. O novo relatório não estipula prazo.

Casarão com carro na porta é uma das que mais chamam a atenção no local invadido (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)

Anúncios na internet oferecem lotes (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)
Casas construídas no local têm até piscina (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)
Mansão construída em área de duna desrespeita lei ambiental (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)

Tudo deverá ser feito de acordo com normas ambientais. Inclusive, os réus foram condenados também a promoverem “a recuperação integral da área degradada pelos referidos ocupantes, de acordo com a coordenação das medidas compensatórias a serem definidas pelo órgão técnico ambiental do Ministério Público do Estado da Bahia”, escreveu o relator do processo em segunda instância, desembargador Salomão Rezedá.

O Sangradouro seria apenas o caso mais absurdo envolvendo invasões no Litoral Norte, que nas últimas décadas tem sofrido com o loteamento clandestino sistemático de suas terras. Em novembro de 2016, o CORREIO denunciou o problema. Na época, a promotoria de Meio Ambiente e Urbanismo do Ministério Público calculava a existência de 40 invasões em Camaçari, que somariam um total de 5 milhões de metros quadrados. A APA tem, ao todo, 18 milhões de m². “A situação se manteve”, afirma o promotor Luciano Pitta.

“Como eu disse naquela época, a maioria das invasões se dá em áreas valorizadas, com forte especulação imobiliária. Uma especulação que não é só de empresários e construtoras, mas de clandestinos. A maioria está longe de ser gente de baixa renda”, explica Pitta.

“Claro, há um conflito de direitos, já que além do direito ao meio ambiente equilibrado, também há o direito à moradia para algumas pessoas. Cabe à prefeitura saber quem é quem ali dentro”.

Promotor Luciano Pitta denunciou invasores e tem cobrado providências de prefeitura (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)

Veraneio
Mas, na própria decisão do juiz, ele afirma que “aproximadamente setenta por cento dos imóveis não encontram-se ocupados de forma contínua pelos respectivos ocupantes”, o que reforçaria a ideia de que a maioria dos invasores não utiliza as casas como moradias, mas como local de veraneio. Mais recentemente, com o avanço das invasões, os ambientalistas e nativos da região tentam se organizar para combater os invasores.

No dia 14 de abril, eles realizaram uma manifestação reunindo ativistas, moradores e comerciantes. “É um crime ambiental sem precedentes no Litoral Norte. Logo depois de praticar queimadas e invadir os terrenos, os invasores cercam os lotes para vender ou construir”, afirma a ambientalista Fabiana Franco, da Ong Coqueiro Solidário.

“Basta! Arembepe não aguenta mais esses grileiros”, diz Fabiana.

Ela garante sofrer ameaças dos invasores, que nos seus cálculos já são mais de 400 e não apenas 300 como está na decisão judicial.

Gatos para tudo
Apesar dos alertas de que o Sangradouro se trata de área perigosa, com atuação de milícias, influência de agentes públicos e até de políticos e policiais, o CORREIO entrou no local e flagrou diversas irregularidades. Além das centenas de imóveis utilizando gatos de água, luz, antenas de TV a cabo e até Internet, confirmamos que boa parte dos imóveis têm boa estrutura, alguns com carros na garagem e até piscina.

Ligações de energia clandestinas são usadas por moradores (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)

“Tem gente que cobra R$ 50, R$ 100 para fazer os gatos. Até nisso tem gente que ganha dinheiro. Os caras invadem e vendem os lotes muito baratos. Imagine, em um paraíso como esse tem terreno sendo vendido por R$ 5 mil, R$ 10 mil”, lamentou um dos moradores de Arembepe, vizinho ao Sangradouro, que preferiu não ser identificado.

O CORREIO também confirmou, porém, que realmente há entre os invasores gente em situação de vulnerabilidade social. Leonora dos Santos, 53 anos, mãe de quatro filhos, diz que a casa que construiu no Sangradouro é sua única moradia e espera que a decisão judicial possa lhe beneficiar. “Nós não queremos ser clandestinos, queremos pagar água e luz. Se for para tirar a gente daqui, que tire. Mas que nos dê onde morar”, afirmou.

Moradora do local, Leonora dos Santos, 53, mãe de quatro filhos, aceita deixar local se prefeitura lhe der abrigo (Foto: Yuri Rosat/CORREIO)

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