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Reforma da previdência: querem te convencer de que o problema é você

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Por: Uallace Moreira Lima e Vitor Filgueiras

Nos últimos anos, tem ocorrido uma campanha frenética para fazer você acreditar que precisamos de uma (mais uma) Reforma da Previdência no Brasil. Essa campanha é encabeçada pelas grandes empresas de comunicação, representantes e prepostos de empresários, em especial do mercado financeiro e das empresas de previdência privada. A execução da campanha une empresas de TV, rádios e grandes sites, Governo Federal, entidades empresariais e seus braços nas universidades, dentre outras fontes de difusão de opinião, formando uma avalanche que aumenta muito as chances de te convencerem, caro leitor que não faz parte do grupo acima citado e que vive do seu trabalho, de que você é o problema de uma suposta grave crise nas contas da Previdência, e que, portanto, deve pagar por isso trabalhando por mais anos, talvez nunca se aposentando.

Pretendemos apresentar algumas informações, neste breve espaço, para que você não se sinta responsável, aceitando ter que pagar: (1) por um problema que não existe – uma suposta grave crise das contas da Previdência; (2) pela solução dos problemas que existem – buracos na receita da Previdência que existem porque as empresas fraudam ou deixam de recolher tributos por privilégios concedidos pelo Governo.

Primeira informação: essa campanha por uma Reforma de Previdência é mais uma entre várias outras que têm sido feitas desde a promulgação da Constituição de 1988. Mais do que campanhas, Reformas da Previdência já foram feitas, todas elas seguindo a mesma lógica: retirar direitos dos segurados para cortar despesas da Previdência. Veja bem, as campanhas e as mudanças implementadas não priorizaram o aumento da receita, e essa é uma questão fundamental sobre a qual falaremos à frente.

Segunda informação: Todos os dias você ouve e lê que há um “rombo” nas contas da Previdência. Isso é mentira. Não se trata da nossa opinião, mas de uma previsão Constitucional de como a seguridade social – que contempla a Previdência – é financiada. O “rombo” apresentado é simplesmente uma soma de todas as despesas da Previdência e apenas a receita da contribuição previdenciária, sem considerar tributos arrecadados pelo Estado, por exemplo, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Considerada a contribuição do Estado, que consta na Constituição, não há “rombo”. Em resumo, os interessados pela reforma não contabilizam a parte do governo como fonte de receita da Previdência. Repita-se, não estamos aqui defendendo um tipo de conta: é a Constituição que fala como a Previdência deve ser financiada.

Terceira informação: Estamos, desse modo, afirmando que não há qualquer problema com o funcionamento da Previdência?Não. Há um problema sério e que é crescente: a receita da contribuição previdenciária. Empregadores deixam de pagar centenas de bilhões de reais, todos os anos, à Previdência, e o governo pouco ou nada faz para resolver isso. Falta de registro de empregados, fraudes em folhas de pagamento, terceirizações ilegais, omissão da relação entre adoecimento e trabalho, são alguns dos muitos exemplos que desfalcam as receitas previdenciárias, contrariando a lei. Se o Governo tivesse interesse e fiscalizasse os empregadores, mesmo o suposto “rombo”, baseado apenas na contribuição previdenciária, deixaria de existir.

Mas por que quase ninguém fala sobre as diversas fontes da Previdência (como consta na Constituição)? Particularmente, por que se omite o não pagamento da contribuição previdenciária pelas empresas? A reposta é simples: essas receitas previdenciárias são sonegadas, em geral, por empregadores. As despesas previdenciárias que querem cortar, em geral, são pagas em benefícios a trabalhadores e seus familiares. Se a intenção da nova Reforma fosse realmente equilibrar a relação entre despesas com benefícios e receitas da contribuição previdenciária, um debate honesto teria que, de saída, incluir a sonegação de receitas, muito maiores do que o suposto “rombo”.

Quarta informação: na atual campanha pela Reforma, seus interessados têm apresentado muito a ideia de que o envelhecimento da população, sem aumento da idade mínima das aposentadorias, produziria uma “catástrofe” com o passar dos anos. A ideia é que, com menor proporção de pessoas trabalhando, não daria para sustentar o grande número de aposentados. Essa ideia é aparentemente lógica, contudo, não considera uma variável chave: a riqueza produzida por cada trabalhador em atividade também tende a crescer com o passar dos anos. Ou seja, menos pessoas em atividade poderão produzir uma quantidade de riqueza igual ou mesmo muito maior no futuro do que os resultados hoje alcançados. Assim, é uma questão a ser analisada com muito cuidado e sem nenhuma pressa, pois (1) pode ser regulada com o aumentado da produtividade, (2) não terá efeito imediato, ainda mais pelo fato de o atual comprometimento da riqueza nacional para pagamento de aposentadorias é muito inferior ao registrado em muitos países.

Em resumo: a Reforma da Previdência é uma briga por distribuição de riquezas, no caso, para que você trabalhe mais e a parcela mais rica da população continue sonegando ou recebendo benesses para não contribuir com a Previdência. Ou você reage, ou vão passar por cima dos seus direitos, mais uma vez.

* Uallace Moreira Lima é Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP). Professor de Economia da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA).

* Vitor Filgueiras é professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pós-doutorado em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). (2016) Estágio de Pós-doutorado (SOAS, Universidade de Londres, 2015) Doutorado em Ciências Sociais pela UFBA (2012). Mestrado em Ciência Política pela UNICAMP (2008). Graduação em Economia pela UFBA (2005). Secretário da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET). Foi Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho entre 2007 e 2017.