Morre pai de Emanuel e Emanuelle: ‘ele sofria calado’, diz sobrinha

Por Jornal Correio

Waldemir Dias, durante o enterro dos filhos, em 2013 (Foto: Mauro Akin Nassor | Arquivo CORREIO)

O projetista Waldemir de Sousa Dias, 59 anos, carregava uma dor imensa. Falava muito pouco do que sentia; preferia confessar o sofrimento a um diário que mantinha em segredo da família. Mas a angústia não vinha de hoje: há quase quatro anos, no dia 11 de outubro de 2013, Waldemir perdeu os filhos Emanuel, 21, e Emanuelle, 23, em um acidente de trânsito na Avenida Oceânica, em Ondina.

A médica Kátia Vargas é acusada pelo Ministério Público do Estado (MP-BA) de ter provocado o acidente que resultou na tragédia. De 2013 para cá, as informações sobre o acidente tomaram o noticiário local e até nacional. Mesmo deprimido e em meio a um turbilhão de acontecimentos, Waldemir era discreto. Para a família, ele lutava para esconder a mágoa. No domingo (24), a história ganhou mais um triste capítulo – Waldemir morreu após uma parada cardíaca na casa onde morava, no Barbalho.

“A gente não tinha dimensão do tamanho do sofrimento. Ele morreu de depressão, de desgosto. Ele não falava para a gente, mas encontramos um diário. (Nos textos) Ele falava que sentia falta dos filhos, que a vida dele mudou, que não tinha mais sentido viver”, contou, ao CORREIO, por telefone, a prima dos irmãos e sobrinha e afilhada de Waldemir, Mayane Torres.

O pai de Emanuel e Emanuelle era calado. Para o mundo, tentava se mostrar forte. “A gente dava apoio à mãe (dona Marinúbia, mãe dos irmãos e ex-esposa de Waldemir), mas não sabia que ele estava assim. Ele sofria calado. Não pedia ajuda profissional. Só falava ‘aquela mulher (Kátia Vargas) levou tudo meu e agora é mais uma dor para a gente’”, desabafa Mayane.

Natural de Juazeiro, no Vale do São Francisco, Waldemir sofreu uma parada cardíaca por volta das 22h de domingo (24), em Salvador. Ele morava sozinho no Barbalho e foi encontrado por uma vizinha, que acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e chamou os familiares. Os profissionais do Samu ainda tentaram reanimá-lo, inclusive com o uso de um desfibrilador, mas ele não resistiu.

No momento em que sofreu a parada cardíaca, Waldemir vestia uma camisa com a foto dos filhos. Para Mayane, Kátia Vargas não provocou o infarto do tio, mas contribuiu para prejudicar a saúde mental dele. “Ela deixou marcas para a vida toda e destruiu uma família, não só dois irmãos. Ele falava que queria que Kátia fosse presa porque, mesmo que não trouxesse os filhos de volta, queria que a justiça fosse feita. A gente fica mal com tudo isso porque ela destruiu a família toda, contaminou a família toda”.

Waldemir morreu sem assistir ao julgamento da médica. A sessão está marcada para o dia 7 de novembro, às 8h, no 1º Juízo da 1ª Vara do Tribunal do Júri, no Fórum Ruy Barbosa. A médica responderá por homicídio triplamente qualificado (por motivo fútil, perigo comum e por utilização de recursos que impossibilitaram a defesa das vítimas).

“Kátia Vargas teve, sim, contribuição para a morte do meu tio. Ele ficou deprimido, depressivo e aconteceu mais uma fatalidade na nossa família. Por isso, acho que ela tem culpa parcialmente”, diz Mayane.

Despedida

Na sexta-feira (22), foi quase como se Waldemir tivesse se despedindo. Foi à casa dos sobrinhos, no Jardim de Alah, e, lá, pediu ao irmão de Mayane que lhe desse um neto. Seria o neto que os filhos não puderam dar.

“Ele disse para o meu irmão: ‘meu filho namorou tantos anos e não deixou um netinho. Faça ao menos um netinho para eu cuidar”, conta ela, que ganhou uma corrente dele no mesmo dia. Com o símbolo da paz, o colar foi tirado do próprio pescoço de Waldemir para entregar à afilhada, para que a protegesse. “Emanuelle chamava ele de ‘meu herói’. Agora, os três vão ficar juntos”, completou.

Se, para Emanuelle, ele era um herói, a filha era a própria Julia Roberts para Waldemir. Em 14 de outubro de 2013, quatro dias após a morte dos irmãos, Waldemir conversou por telefone com o CORREIO. Na época, morava em Madre de Deus, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), mas conversava com Emanuelle e Emanuel diariamente.

“A gente se falava todo dia, toda hora. Agora, só se você me der o telefone de Deus, né?”, disse, na época. “Éramos muito próximos. Emanuel aprendeu a mergulhar comigo e Emanuelle era minha ratinha porque nasceu pequenininha. Eu chamava ela de Julia Roberts, porque ela era tão linda quanto Julia”, contou, na mesma ocasião.

Durante a conversa, Waldemir manifestou preocupação com a mãe, que, na época, tinha 86 anos. Tinha medo de qual poderia ser a reação dela caso soubesse do acidente. A mãe do projetista morreu em dezembro de 2015, aos 89 anos, sem saber da morte dos netos. A ela, sempre era dito que os dois estavam no exterior.

“Mal enterramos minha avó, que perguntava sempre sobre os netos e nós não dizíamos por ela estar muito doente e agora isso de meu tio. Ela falava que estávamos escondendo algo dela e negávamos, pois ela não merecia mais uma dor. É dor, muita dor, para uma família”, conta Mayane.

A pedido da família, o CORREIO não vai divulgar informações sobre o enterro de Waldemir. “A família não quer a imprensa no velório, porque já é muita dor e muita exposição. Já estamos muito doloridos e não precisamos passar por isso”.

Waldemir chamava Emanuelle (na foto, ainda bebê) de ‘Julia Roberts’ (Foto: Acervo pessoal)

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