Espanhol que assassinou esposa mata a advogada que o tinha defendido no caso
O corpo da mulher, com que ele tinha um relacionamento, foi achado na casa de José Javier Calvo.
Ela estava com ferimentos de arma branca. Ele se matou horas depois
A advogada Rebeca Santamalia Cancer, de 47 anos, foi achada morta na cidade espanhola de Zaragoza, dentro da casa de José Javier Salvador Calvo, que estava em liberdade condicional desde 2017 após cumprir 14 anos de prisão por assassinar sua primeira mulher. Santamalia havia sido advogada dele e agora mantinha um relacionamento sentimental com esse homem de 50 anos, razão pela qual o crime é investigado, novamente, como violência de gênero. A Delegação do Governo espanhol na região de Aragão, da qual Zaragoza é a capital, confirmou os fatos, assim como o suicídio de Salvador Calvo. Santamalia era mãe de um filho de 14 anos, segundo seu entorno.
O cadáver da advogada foi localizado no número 21 da rua Francisco de Pradilla, em Zaragoza, com ferimentos de arma branca. Na caixa de correio da casa figuram os nomes do suposto assassino e outros dois com o mesmo sobrenome, um deles o de sua irmã Ana.
O marido de Santamalia tinha denunciado seu desaparecimento nesta quinta-feira à polícia de Zaragoza, porque se preocupava com sua demora em voltar para casa, segundo a Delegação de Governo. Por esse motivo, segundo fontes da investigação, a polícia entrou em contato com a irmã de Rebeca, com quem ela dividia o escritório, e esta revelou a relação sentimental de sua irmã com seu ex-cliente, além do endereço onde ele vivia, a apenas três minutos do escritório. Como ninguém atendia o telefone ou a campainha, os policiais entraram em contato com Ana Salvador Cano, única irmã de Salvador Calvo, que dispunha de chaves do apartamento. Entraram às 04h20 (hora local) e encontraram a advogada morta numa grande poça de sangue, acrescentam fontes da investigação.
Por outro lado, no começo da madrugada de quinta-feira os agentes de um carro de patrulha da Polícia Nacional viram um homem caminhar por um viaduto dos arredores em atitude suspeita. Ele começou a correr quando os agentes se dirigiram para ele, perderam-no de vista, e o homem se atirou no vazio. Tratava-se de Salvador Calvo. Levava uma grande quantia em dinheiro — mais de mil euros, cerca de 4.300 reais — e não portava documentos, mas foi identificado pelas impressões digitais. Foi então que a polícia cruzou as duas histórias.
Em 22 de maio de 2003, Salvador Calvo matou sua esposa, Patricia Maurel Conte, de 29 anos, com 11 tiros com uma escopeta de caça, abandonando em seguida o cadáver numa lavoura próxima de seu povoado, Puebla de Híjar, também em Aragão. A jovem era candidata do Partido Popular à prefeitura desse município, e foi assassinada poucos dias antes das eleições municipais. Salvador Calvo, depois de apertar o gatilho, viajou de carro os 180 quilômetros que separam seu povoado da cidade de Teruel. A mãe da vítima o havia denunciado naquela mesma noite por ameaçar sua filha de morte. O assassino acabou confessando o crime à sua irmã, entregou-se e foi condenado a 18 anos de prisão.
Começou a cumprir pena em maio de 2003 e deveria ficar preso até 2021, segundo fontes penitenciárias. Mas em dezembro de 2011 um juiz de vigilância penitenciária lhe concedeu o regime de semiliberdade, contrariando parecer desfavorável da Junta de Tratamento da prisão de Teruel. Em 2013 ele passou à penitenciária de Zuera, e em janeiro de 2017 uma juíza lhe concedeu a liberdade condicional, também contrariando a opinião da junta, segundo fontes penitenciárias. A Junta de Tratamento é composta pelo diretor da penitenciária, pelo subdiretor de tratamento, pelo médico-chefe, por um agente social, um educador e um chefe de serviços.
Na sentença pelo crime, a Audiência de Teruel impôs a Calvo também indenizações no valor de 120.000 euros (512.000 reais, pelo câmbio atual) a cada um de seus três filhos, então menores de idade, embora tenha reconhecido como atenuante a sua confissão à polícia. Um júri popular considerou por unanimidade que o condenado atuou sem que sua mulher pudesse se defender.
A delegada do Governo espanhol em Aragão, Carmen Sánchez, pediu “unidade depois desta morte” e “aos homens democratas que defendem a liberdade das pessoas que se unam às mobilizações”. Na noite desta sexta-feira estava programada uma concentração na praça de Espanha, em Zaragoza.
O decano do Colégio de Advogados de Zaragoza, Antonio Morán, recordou na manhã desta sexta que a vítima do homicídio coordenou o Serviço de Orientação Penitenciária entre 2010 e 2012. “Um serviço que não tem nenhum tipo de remuneração e no qual colegas prestam assessoria aos detentos, pessoas que, embora estejam na prisão, continuam mantendo vivos os seus demais direitos. Isto dá uma amostra de sua qualidade profissional e humana”, disse, emocionado, à agência Europa Press.
Em Puebla de Híjar, onde José Javier nasceu e onde matou sua mulher, cerca de 20 moradores se concentraram perto da Prefeitura no começo da tarde. “Este homem tinha rompido totalmente a conexão com o povoado”, alegou o prefeito Pedro Bello, que não dá conta de atender aos telefonemas da imprensa neste dia sombrio. “Aquilo foi muito duro”, rememorou. Bello contou que os poucos familiares do homicida que permaneceram no município — que na época tinha 1.000 habitantes, e hoje ronda os 900 — romperam qualquer vínculo com ele.
De vez em quando, conta o prefeito, alguns moradores relatam que o tinham visto por Zaragoza ou, quando começou a receber indultos penitenciários, em Teruel. “Havia tornado a trabalhar como pedreiro”, informou Bello. A família da esposa assassinada e os três filhos que tiveram viveram nos últimos anos no povo vizinho, Híjar, onde ela nasceu.
Uma colega de profissão rememora que Rebeca começou sua trajetória profissional ao lado de um prestigioso advogado de Zaragoza, José Antonio Ruiz Galve, já falecido, lidando com processos penais e de família. A advogada, muito conhecida na categoria, “sempre tentava chegar a acordos” nos contenciosos, recorda seu colega. Uma amiga, por sua vez, relata que ambas preparavam uma festa para uma terceira, nesta sexta.
Desde 2003, pelo menos 977 mulheres foram assassinadas por seus namorados, maridos ou ex-maridos na Espanha. Este ano, que mal começou, já soma três mortes com esta de Zaragoza, e outros três casos estão sendo investigados.
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