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Diretora de organização diz que Brasil pode ser líder na Economia de Baixa Carbono

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Rachel Biderman defende que os investimentos no setor produtivo e no agronegócio sejam voltados para a nova economia

O Brasil participa em dezembro, em Paris, da grande conferência internacional das principais economias do mundo (COP21), que irão se reunir para firmar compromissos  a  fim de reduzir o impacto no clima do planeta. A advogada Rachel Biderman, diretora no Brasil da World Resources Institute (WRI), empresa global responsável por desenvolver ações na gestão do clima e uma das principais consultoras na área ambiental, acredita que o Brasil precisa criar condições para cumprir sua parte nesse esforço mundial de reduzir o aquecimento do planeta. A poucos meses da conferência, a presidente Dilma Rousseff ainda não anunciou as metas brasileiras, mas já adiantou que vai zerar o desmatamento na Amazônia, em 2030.

“A decisão que será tomada em Paris é crítica e também histórica para a humanidade. Um grande momento”, avalia Biderman, que estará na COP21, mas antes participa como palestrante do Fórum Agenda Bahia deste ano, no tema Economia de Baixo Carbono, no dia 29 de setembro. A especialista destaca que o Brasil pode ser um dos líderes dessa nova economia (que prevê redução das emissões dos gases do efeito estufa), mas precisa redimensionar, especialmente, os investimentos.

RACHEL BIDERMAN  Advogada, consultora do World Resources Institute (WRI), coordenadora do Curso de Gestão para o Baixo Carbono da Fundação Getulio Vargas, é hoje um dos principais nomes quando o assunto é baixo carbono. Presente em mais de 50 países, o WRI é uma das organizações que estimulam a transparência da conferência do clima, com o objetivo de fortalecer os compromissos e acordos que serão firmados pelas nações (Foto: Acervo Pessoal)

“Se o BNDES, que é o maior investidor no país, tiver uma política dirigida para economia de baixo carbono, o Brasil se torna um líder na economia mundial”. Birderman é a favor de investimentos em fontes mais limpas e criticou o pré-sal.

Como o Brasil está se preparando para a COP21?
Todo ano, no começo de dezembro, existe uma conferência dos países que assinaram o tratado da convenção no Rio de Janeiro, em 1992, a Eco 92. Essa é a 21ª primeira reunião das partes, a COP21. Ali é o grande momento. A decisão que vai ser tomada ali é crítica e histórica para a humanidade. Os países vão anunciar seus compromissos para reduzir as emissões. Cada país tem de levar para Paris o seu compromisso. O Brasil não anunciou ainda qual o seu. É isso que se espera. Alguns países estão sendo mais arrojados, os europeus, e outros mais tímidos. E o Brasil está demorando de anunciar o seu número. Quando a Dilma se encontrou com o Obama, a imprensa estava atenta, esperando que ela fosse anunciar nossa meta, mas pelo jeito ela vai deixar para o último minuto.

A presidente Dilma Rousseff declarou nesse encontro que o Brasil tem o compromisso de alcançar taxa zero de desmatamento até 2030. Qual o peso dessa declaração?
Apesar de já ter as leis e as instituições para evitar o desmatamento, na prática, o sinal que ela dá é que vamos acabar com a ilegalidade. Tem gente que está dizendo: ‘mas isso é o óbvio’, ou ‘Por que ela anuncia algo que é óbvio’. Mas acho que quem é realista sabe da dificuldade que é controlar o desmatamento na Amazônia, em um lugar remoto, com pouco equipamento e pouca gente. É louvável essa decisão, esse anúncio, mas ainda tem de criar as condições. O Ministério do Meio Ambiente, Ibama e outros órgãos de fiscalização, a Polícia Federal, que estão lá  no front, não estão equipados, então ela precisa aprovar e trazer os elementos para que esses órgãos do governo possam implementar essa meta.

O Brasil hoje é um dos maiores exportadores de alimento, mas com uma taxa de emissão de gases altíssima. Como aliar essas duas posições?
Sem dúvida, uma das nossas principais fontes de emissão de gases do efeito estufa é com a produção agrícola e a pecuária. O Brasil lançou há alguns anos  o Plano ABC, o Plano de Agricultura de Baixo Carbono. Temos todas as condições de ser um país que produza alimento de forma sustentável, mas temos de investir nos próximos anos pesadamente em treinamento do uso dessas técnicas que a Embrapa já desenvolveu. Usar esses sistemas de treinamento, escolas agrícolas, e tornar o acesso aos insumos e aos recursos mais barato. Para isso acontecer, o crédito agrícola tem de incorporar essa dimensão climática e ambiental. Já temos uma linha de crédito ABC. É preciso massificar, usando a grande mídia para fazer com que essas informações cheguem ao produtor rural. Pecuária e agricultura de baixo carbono é possível. A gente tem os estudos, a  gente  tem  a  técnica, falta o treinamento e o crédito mais baixo.

Quais os países que se destacam na gestão do baixo carbono?
Os países europeus e o Japão são um bom exemplo. Já colocaram nas leis há mais de uma década a obrigação de reduzir e eliminar a emissão desses gases que causam aquecimento global. Foi por lei. O sistema financeiro incorporou também. Os bancos não emprestam dinheiro para empresas e indústrias que emitem gases de forma irregular. O outro incentivo criado na Inglaterra foi o mercado de carbono, eles criaram incentivos para as empresas porque não adianta só punir. Investimento em transporte público não poluente, que é um dos mais poluentes, a queima de combustíveis fósseis, gasolina, diesel. A outra medida importante também é a agricultura de baixo carbono.

O que o Brasil poderia copiar, que fosse mais fácil de iniciar, de adaptar?
Um exemplo bacana é a política energética da Alemanha. Eles fizeram uma revolução energética, eles estão praticamente abandonando a fonte de energia fóssil, o petróleo, o gás, e passando a usar energia solar e eólica. É isso que o Brasil poderia fazer. Parar de usar petróleo e seus derivados e começar a usar o sol e o vento como fontes principais, nós vamos fazer nossa lição de casa.

O investimento no petróleo é um problema?
Esse é o maior problema do Brasil hoje. O investimento no pré-sal é contramão total. Então esse recurso deveria estar indo para nos tornar competitivo na corrida energética, que a gente está perdendo. Hoje quem mais investe em tecnologia para geração de energia solar no mundo são os chineses. Eles investiram tanto que o acesso à tecnologia solar ficou viável. Eles geraram uma economia de escala em torno da energia solar. E agora são eles que estão vendendo os equipamentos para nós. Ou seja, eles, muito espertamente, estão virando líderes na nova economia do baixo carbono.

A Bahia investiu numa ampla rede eólica. Como isso pode contribuir nesse processo?
A Bahia tem de se fazer conhecer mais para o resto do Brasil. A gente precisa de bons exemplos mesmo. Nossos tomadores de decisão precisam ver essas coisas. A Bahia não é só influenciadora do Nordeste, mas do Brasil inteiro. Pela cultura, pela visão, sempre teve grandes políticos historicamente, então, ela tem um alcance internacional. O Nordeste tem um potencial eólico que é um dos maiores do planeta. Um dos maiores potenciais para gerar energia a partir do vento fica no Nordeste, então, que bom que a Bahia está investindo nisso.

Salvador foi incluída na lista C-40, e preparou um inventário para monitorar a emissão de gases. Como esse tipo de monitoramento funciona?
Para mostrar aos prefeitos, vereadores e tomadores de decisão que é possível fazer uma gestão de uma cidade de forma mais ecológica, mais sustentável. Normalmente, o que inventário traz é uma fotografia de onde estão os maiores problemas de emissão. E se repete a história: a principal fonte de emissão é o transporte e depois, em geral, é o resíduo, o lixo. Porque na degradação do lixo gera o gás metano, que é um potente gás do efeito estufa. Se uma cidade como Salvador decidiu se tornar mais limpa, do ponto de vista do clima no planeta, o que ela precisa fazer é implantar mais transporte público, tirar carros da rua e gerenciar bem os seus lixões e aterros sanitários. Tratar o seu esgoto, pois ali tem muitos gases do efeito estufa, na fermentação que acontece. Essas três coisas e promover eficiência energética nas casas, nos edifícios. Porque, quanto menos energia a gente consome, menos vai queimar lá na termelétrica para gerar energia, que é movida a petróleo, movida a gás, então uma boa parte da energia do Brasil vem dessa forma. Se você é eficiente no uso de energia, significa que você queima menos gás para gerar energia. São essas coisas que uma cidade como Salvador pode contribuir ou as grandes cidades da Bahia podem fazer para resolver a questão do clima. Salvador está entrando para esse grupo das grandes cidades do mundo de baixo carbono.

O Brasil é hoje uma economia de baixo carbono?
Dois aspectos importantes do baixo carbono que acontecem no Brasil: a gente diminui o desmatamento e a nossa matriz energética  ainda  tem  uma grande fatia do uso de águas e hidroelétrica. Essa é uma fonte renovável e mais limpa. Então isso nos coloca em uma situação de certa vantagem se comparar nosso país com os Estados Unidos, com a Índia, com a China. Onde nós estamos errando e indo para  trás é o pré-sal. O investimento no pré-sal não faz sentido no mundo contemporâneo, no mundo de hoje. É um atraso. A gente tem de redirecionar nosso investimento para a produção de energia eólica. Tem de fazer essa guinada. A outra virada é na agricultura. Algumas técnicas de intensificação da pecuária, pois nós temos hoje uma pecuária extensiva, que destrói muito a floresta. Essa pecuária é muito ruim para o clima do planeta. A Embrapa tem defendido uma técnica que é integração pecuária-lavoura-floresta, que é quando você desenvolve as três atividades em um lugar só. Então, basicamente, você intensiva, já que você passa a usar o território produtivo de uma forma mais inteligente, mas eficiente e de forma a desperdiçar menos recursos.

Como o investimento privado pode se envolver?
As empresas são o principal ator da revolução que a gente precisa ter, pelo seu poder de investimento. Se os presidentes e os conselhos das empresas decidirem que elas só vão investir em processos produtivos compatíveis e de forma a respeitar a natureza e o desafio do clima, elas sozinhas dão conta do problema. É muito mais poderoso do que o cidadão. Elas que estão dirigindo a economia, tanto é que algumas iniciativas hoje para resolver o problema do clima – que até o papa Francisco lançou uma encíclica pelo nível de gravidade – quem tem poder para resolver são os bancos e as empresas. Não precisaria de uma convenção, de um tratado do clima, de uma lei internacional como a que foi assinada no Brasil em 1992. Bastaria o poder econômico fazer a mudança.

Como os Brics têm se preparado para essas mudanças?
Eles criaram um banco de desenvolvimento recentemente e se espera que o recurso que eles vão colocar lá seja para uma economia de baixo carbono. Tem toda uma expectativa em cima disso. Porque essas economias emergentes dependem das grandes e essas grandes economias estão sinalizando: “Olha, nós não vamos receber mais seus produtos se eles forem produzidos de forma a comprometer o planeta”. Os países Brics são líderes nessa agenda. É mais lenta  a  tomada de decisão e  adoção de políticas nos Brics porque eles falam: “Nós ainda estamos em crescimento”. A pressão é enorme para que eles mudem seus processos produtivos para que sejam menos poluentes. Mas  eles têm de mudar. Imagine o BNDES, que é o maior investidor aqui no Brasil. Se o BNDES tiver uma política dirigida para uma economia de baixo carbono, o Brasil assim se torna um líder na economia mundial. O modelo que eles estão usando lá é um modelo antigo ainda. Estão investindo à moda antiga, usando o pensamento do tempo que o mundo não tinha o problema da mudança do clima.

*Correio da Bahia