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Cinquenta Tons de Cinza | Crítica: Pornozinho para a família trata o fetiche como patologia e não percebe seu potencial satírico

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Não deve levar 20 minutos até que Anastasia Steele (Dakota Johnson) leve um banho de chuva no rosto em Cinquenta Tons de Cinza (50 Shades of Grey, 2015). Esse momento tão decisivo nas comédias românticas – é quando se pega encharcada num temporal que a mulher percebe que está pronta para se entregar ao sexo – não ficaria de fora da adaptação ao cinema do best-seller de E.L. James, um filme puxado mais para a comédia do que para o romance, ainda que involuntariamente.

Estamos em Seattle, a chuva é o que mais abunda. Anastasia conhece o rico Christian (Jamie Dornan) e passa a ser perseguida por ele. Mistura de Bruce Wayne com Rei do Camarote, Christian quer acabar com a fome na África e diz que não faz amor e sim “fode, com força”. Anastasia não cai na gargalhada diante de Christian, embora Dakota Johnson visivelmente contenha o riso em cena, mordendo os lábios.

O sociopata e a sonsa, em 120 minutos de dança do acasalamento. Essa dinâmica se repete durante todo Cinquenta Tons de Cinza, um filme sem final cuja trama magra parece servir tanto a uma trilogia de seis horas quanto as parcas 300 páginas de O Hobbit. De qualquer forma, é o sexo entre Christian e Anastasia que importa, e exigir o Oscar de roteiro adaptado de um pretenso pornô, mesmo o mais soft, não parece o melhor caminho para entender o seu apelo.

E qual o apelo, afinal? Tratar de sexo sem perigo, sem perversão, um sexo que não suja e não ofende, sempre demarcado pelo close-up no rasgar do pacote da camisinha, ação que a câmera da diretora Sam Taylor-Johnson registra com a pontualidade de uma transa agendada. Se há uma obscenidade aqui, são os pêlos pubianos “vintage” de Dakota Johnson (atriz que desde o começo, ademais, nos engana com sua falsa displicência).

Pelo visto só assim, asséptico e automatizado, o sexo pode ser aceito no multiplex. Se há um público para isso, Cinquenta Tons de Cinza o identifica e o compra, com seus sets bem decorados e sua gente fotogênica. O maior inconveniente do filme não é exatamente a falta de graça ou de química. O problema é que, como típico produto do cinema americano mainstream, o longa, por mais “safado” que queira parecer, uma hora deixa cair a máscara: e faz do fetiche uma patologia.

Não espere aqui que a prática sadomasoquista seja tratada, como no ótimoSecretária ou mesmo no recente Ninfomaníaca, como uma forma de autodescoberta ou de libertação. Ainda que o arco de Anastasia siga essa receita, o que fica da trama inacabada do primeiro Cinquenta Tons de Cinza é a fantasia enquanto desvio de comportamento, um mal hereditário como uma DST (pobre Christian Grey, literalmente um FDP), e que como tal deve ser suprimida e castigada.

Não é por acaso que os suspenses eróticos mais populares das últimas décadas, como os filmes de Adrian Lyne, só permitam o proibido se ele vier, depois, acompanhado da devida punição. No fim quem entendeu mesmo de sexo em Hollywood nesse tempo foi Paul Verhoeven, que implodiu e acabou com a fórmula de Lyne em Instinto Selvagem, ao fazer as pazes entre sexo e contravenção, e que depois expôs o cinemão americano como uma fábrica de fetiches assépticos emShowgirls.

Cinquenta Tons de Cinza até tem seus momentos de cafonice extrema à modaShowgirls, quando Christian senta ao piano sob a luz do luar depois do sexo (ele tem problemas e se expressa pela música). Só faltou ter consciência desse potencial satírico – o que provavelmente significa que as versões paródicas XXX deCinquenta Tons de Cinza, onde o sexo não teme o despudor nem o ridículo, têm tudo para ser imperdíveis.

Cinquenta Tons de Cinza | Cinemas e horários

 

Fonte: omelete.uol.com.br