Estamos em Seattle, a chuva é o que mais abunda. Anastasia conhece o rico Christian (Jamie Dornan) e passa a ser perseguida por ele. Mistura de Bruce Wayne com Rei do Camarote, Christian quer acabar com a fome na África e diz que não faz amor e sim “fode, com força”. Anastasia não cai na gargalhada diante de Christian, embora Dakota Johnson visivelmente contenha o riso em cena, mordendo os lábios.
O sociopata e a sonsa, em 120 minutos de dança do acasalamento. Essa dinâmica se repete durante todo Cinquenta Tons de Cinza, um filme sem final cuja trama magra parece servir tanto a uma trilogia de seis horas quanto as parcas 300 páginas de O Hobbit. De qualquer forma, é o sexo entre Christian e Anastasia que importa, e exigir o Oscar de roteiro adaptado de um pretenso pornô, mesmo o mais soft, não parece o melhor caminho para entender o seu apelo.
E qual o apelo, afinal? Tratar de sexo sem perigo, sem perversão, um sexo que não suja e não ofende, sempre demarcado pelo close-up no rasgar do pacote da camisinha, ação que a câmera da diretora Sam Taylor-Johnson registra com a pontualidade de uma transa agendada. Se há uma obscenidade aqui, são os pêlos pubianos “vintage” de Dakota Johnson (atriz que desde o começo, ademais, nos engana com sua falsa displicência).
Pelo visto só assim, asséptico e automatizado, o sexo pode ser aceito no multiplex. Se há um público para isso, Cinquenta Tons de Cinza o identifica e o compra, com seus sets bem decorados e sua gente fotogênica. O maior inconveniente do filme não é exatamente a falta de graça ou de química. O problema é que, como típico produto do cinema americano mainstream, o longa, por mais “safado” que queira parecer, uma hora deixa cair a máscara: e faz do fetiche uma patologia.
Não espere aqui que a prática sadomasoquista seja tratada, como no ótimoSecretária ou mesmo no recente Ninfomaníaca, como uma forma de autodescoberta ou de libertação. Ainda que o arco de Anastasia siga essa receita, o que fica da trama inacabada do primeiro Cinquenta Tons de Cinza é a fantasia enquanto desvio de comportamento, um mal hereditário como uma DST (pobre Christian Grey, literalmente um FDP), e que como tal deve ser suprimida e castigada.
Não é por acaso que os suspenses eróticos mais populares das últimas décadas, como os filmes de Adrian Lyne, só permitam o proibido se ele vier, depois, acompanhado da devida punição. No fim quem entendeu mesmo de sexo em Hollywood nesse tempo foi Paul Verhoeven, que implodiu e acabou com a fórmula de Lyne em Instinto Selvagem, ao fazer as pazes entre sexo e contravenção, e que depois expôs o cinemão americano como uma fábrica de fetiches assépticos emShowgirls.
Cinquenta Tons de Cinza até tem seus momentos de cafonice extrema à modaShowgirls, quando Christian senta ao piano sob a luz do luar depois do sexo (ele tem problemas e se expressa pela música). Só faltou ter consciência desse potencial satírico – o que provavelmente significa que as versões paródicas XXX deCinquenta Tons de Cinza, onde o sexo não teme o despudor nem o ridículo, têm tudo para ser imperdíveis.
Cinquenta Tons de Cinza | Cinemas e horários
Fonte: omelete.uol.com.br