AM compra respiradores ‘inadequados’ em loja de vinho e paga 316% mais caro
O governo do Amazonas pagou R$ 2,9 milhões a uma loja de vinhos por 28 ventiladores pulmonares para tratar de infectados pelo novo coronavírus. O valor unitário equivale a até quatro vezes o preço do aparelho visto em lojas no Brasil e no exterior, e os equipamentos são considerados “inadequados” para pacientes de covid-19, segundo o Conselho Regional de Medicina do Amazonas (Cremam). Com informações do UOL
A compra foi feita em 8 de abril, com dispensa de licitação, e foi questionada pelo Ministério Público de Contas. Foram comprados 24 ventiladores da marca Resmed por R$ 104,4 mil cada. O mesmo aparelho é vendido por cerca de R$ 25 mil por revendedores nacionais e do exterior, o que caracteriza um sobrepreço de 316%.
Mais quatro aparelhos da marca Philips foram adquiridos na mesma adega por R$ 117,6 mil cada. Consulta feita pela reportagem nesta segunda (20) mostra que a unidade é vendida por R$ 38 mil por revendedores nacionais: uma diferença de 209,4%.
Em nota, o governo amazonense afirma que os fornecedores aumentaram o preço diante da pandemia (leia íntegra do posicionamento oficial no fim deste texto).
O Amazonas tem a mais alta taxa de incidência do novo coronavírus do país, e sua capital, Manaus, sofre com o colapso de seu sistema de saúde.
A Assembleia Legislativa do estado aprovou hoje o pedido de intervenção federal na Saúde do Amazonas. O documento será entregue ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Ponto de encontro de políticos
A empresa que vendeu os equipamentos para o governo amazonense é a Vineria Adega, conhecida, de acordo com sites locais, por ser ponto de encontros entre políticos e empresários de Manaus.
A empresa tem como sócios Fábio José Antunes Passos e Fernanda Bianca Antunes Passos. A reportagem ligou para os telefones indicados no site da empresa, mas ninguém atendeu.
O procurador-geral do Ministério Público de Contas, João Barroso de Souza, enviou ofício ao governador Wilson Lima (PSC) pedindo explicações sobre a compra.
O governo amazonense declarou que a adega foi escolhida por ter em sua CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) o serviço de importação.
Aparelhos são inadequados, diz Conselho
De acordo com o Cremam, o governo do Amazonas fez uma compra equivocada: não adquiriu os respiradores que pacientes em estado grave precisam.
A avaliação é compartilhada por quatro médicos ouvidos pela reportagem do UOL.
“Esses não são respiradores e não servem para pacientes da covid-19 que precisam de ventilação invasiva”, afirma Patrícia Sicchar, vice-presidente dos Sindicato dos Médicos e que atua no SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) de Manaus.
“Esses aparelhos servem para levar um paciente de um lugar a outro: do quarto até o local de exame, por exemplo. Mas não servem para dar suporte necessário a pacientes que estão na UTI (Unidade Terapia Intensiva) que precisam usar respiradores adequados de maneira constante”, afirmou à reportagem um médico que trabalha em UTIs de hospitais em Manaus
No último sábado (18), o conselheiro do Cremam Ricardo Goés Filgueiras inspecionou o Hospital Universitário particular Nilton Lins, que foi alugado pelo governo do Amazonas para atender infectados pelo coronavírus. O aluguel no valor de total de R$ 2,6 milhões está sendo questionado na Justiça. É para essa unidade que foram enviados os ventiladores pulmonares.
“Os aparelhos estão incompletos sem filtro bacteriano e válvula de fuga”, afirma o médico Ricardo Goés Filgueiras.
“E segundo o manual de fabricante não é adequado para uso de suporte a vida. E está contraindicado em pacientes que não possam suportar mais do que breve interrupções da ventilação”, completa em seu relatório.
Em vídeo divulgado no seu perfil no Instagram na sexta-feira (17), o governador Wilson Lima mostrou os ventiladores e afirmou que eles seriam usados nos leitos de UTI do Hospital Nilton Lins.
Em nota, o governo do Amazonas afirma que “os respiradores adquiridos pelo Estado foram aprovados pelos médicos do Hospital Delphina Aziz, referência no tratamento da doença no Amazonas.”
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Governo diz que compra foi legal
Ainda em sua resposta, o governo do Amazonas afirmou que atua dentro da legalidade.
“O governo age de forma transparente, todos os gastos estão sendo divulgados no portal da transparência e reitera que está a disposição para atender os questionamentos dos órgãos de controle.”
Leia abaixo o restante da nota:
“A compra de insumos e equipamentos para enfrentamento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) é uma dificuldade para o Amazonas e para outros estados do Brasil, uma vez que viabilizar essas aquisições é motivo de disputa no mundo inteiro. Além disso, é fato que fornecedores elevaram os preços dos produtos necessários para o enfrentamento da pandemia.
O Governo do Estado solicitou propostas de fabricantes nacionais para o fornecimento de respiradores, mas o Ministério da Saúde, com base no artigo 3º, VII, Lei n° 13.979/20, requisitou para si bens e serviços por elas produzidos por 180 dias. Outras unidades da federação que tentaram comprar respiradores tiveram os equipamentos confiscados. O Governo do Amazonas pediu ao Ministério da Saúde autorização para compra de aparelhos nacionais e aguarda resposta.
No momento, a única alternativa seria a compra de respiradores em outros países. Mas fornecedores internacionais estão aceitando, somente, pagamento antecipado. Porém, por lei, o Estado, só pode pagar depois de receber e atestar o produto adquirido.
Em meio a esses entraves e priorizando assistência à saúde aos pacientes que precisam de atendimento, uma vez que os respiradores são essenciais nos casos graves da Covid-19, o Governo do Amazonas consultou e vem consultando diariamente vários fornecedores para efetuar a compra dos equipamentos através de compra direta, conforme art.4 da Lei n°13.979/20.